Ser jovem é não perder o encanto do susto de
qualquer espera. É, sobretudo, não ficar fixado nos padrões da própria formação. Ser jovem é ter abertura para o novo
na mesma medida do respeito ao imutável.
É acreditar um pouco
na imortalidade em vida, é querer a festa, o jogo, a brincadeira, a lua, o
impossível, o distante. Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam
logo ali. É só pensar na morte de vez em quando. É não saber de nada e poder
tudo.
Ser jovem é
ainda acordar, pelo menos de vez em quando, assobiando uma canção, antes mesmo
de escovar os dentes. Ser jovem é não dar bola para o síndico, mas
reconhecer que ele está na sua. É não achar graça do riso, ter pena dos tristes
e ficar ao lado das crianças.
Ser jovem é
sempre estar aprendendo inglês, é gostar de cor, xarope e pastel de padaria. Ser jovem
é não ter azia, é gostar de dormir e crer na mudança; é meter o dedo no bolo e
lamber o glacê.
É cantar fora do tom,
mastigar depressa e engolir devagar a fala do avô. É gostar de barca da
Cantareira, carro velho e roupa sem amargura. É bater papo com a baiana, curtir
o ônibus e detestar meia marrom.
Ser jovem é beber chuvas, ter estranhas, súbitas e
inexplicáveis atrações. É temer o testemunho, detestar os solenes, duvidar das
palavras. Ser
jovem é não acreditar no que está pensando exceto se o pensamento
permanecer depois. É saber sorrir e alimentar secretas simpatias pelos crentes
que cantam nas praças em semicírculo, Bíblia na mão, sonho no coração.
É gostar de ler e
tentar silêncios quase impossíveis. É acreditar no dia novo como obra de Deus.
É ser metafísica sem ter metafísica. É curtir trem, alface fresquinha, cheiro
de hortelã. É gostar até de talco. Ser jovem é ter ódio de cachimbo, de manipulação,
de ser usado.
Ser jovem é
ser capaz de compreender a tia, de entender o reclamo da empregada e apoiar seu
atraso. Ser
jovem é continuar gostando de deitar na grama. É gostar de beijo, de
pele, de olho. Ser
jovem é não perder o hábito de se encabular. É ir para ser
apresentado (" -Já conhece fulano?") morrendo de medo.
Ser jovem é permanecer sempre
descobrindo. É querer ir à lua ou conhecer Finlândia, Escócia e praias
adivinhadas. É sentir cheiros raríssimos: cheiro de férias, cheiro de mãe
chegando em casa em dia de chuva, cheiro de festa, aipim, camisa nova,
marcenaria ou toalha do clube.
Ser jovem é
andar confiante como quem salta, se possível de mãos dadas com a ar. É ter
coragem de nascer a cada dia e encabular as fossas no celofane do não faz mal.
É acreditar em frases, pessoas, mitos, forças, sons, é crer no que não vale a
pena mas ai da vida se não fosse isso.
É descobrir um belo
que não conta. É recear as revelações e ir para casa com o gosto de seu
silêncio amargo ou agridoce.
Ser jovem é
ter a capacidade do perdão e andar com olhos cheios de capim cheiroso. É ter
tédios passageiros, é amar a vida, é ter uma palavra de compreensão. Ser jovem
é lembrar pouco da infância por não precisar fazê-lo para suportar a vida. Ser
jovem é ser capaz de anestesiar salvadoras.
Ser jovem é
misturar tudo isso com a idade que tenha, trinta, quarenta, cinquenta,
sessenta, setenta, ou dezenove. É sempre abrir a porta com emoção. É esperar
dos outros o que ainda não desistiu de querer.
Ser jovem é viver em estado de fundo
musical de superprodução da Metro. É abraçar esquinas, mundos, espaços, luzes,
flores livros, discos, cachorros e menininha com um profundo, aberto e
incomensurável abraço feito de festa, cocada preta, dentes brancos e dedos
tímidos todos prontos para os desencontros da vida.
Com uma profunda e permanente vontade de SER.
Texto de: Artur da Távola
Há pessoas cujo relógio para numa certa hora e que permanece para sempre na mesma idadeHelen Rowland
Assista o video relacionado ao texto, clicando AQUI :D
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