Como cristãos precisamos também libertar a fé cristã de
visões fundamentalistas, de estruturas eclesiásticas autoritárias e machistas
para chegarmos a uma liberdade para as mulheres serem sacerdotes, para os
leigos poderem decidir junto com o clero os destinos de sua comunidade, para os
que tem outra opção sexual.
29/04/2013
Leonardo Boff
Liberdade é mais que uma faculdade do ser humano a de poder
escolher ou o livre arbítrio. A liberdade pertence à essência do ser humano.
Mesmo sem poder escolher, o escravo não deixa de ser, em sua essência, um ser
livre. Pode resistir, negar e até se rebelar e aceitar ser morto. Essa liberdade
ninguém lhe pode tirar.
Entre muitas definições, penso que esta é, para mim, a mais
correta: liberdade é capacidade de
auto-determinação.
Todos nascem dentro de um conjunto de determinações: de
etnia, de classe social, num mundo já construído e sempre por construir. É a
nossa determinação. Ninguém é livre de alguma dependência. Ela pode ser uma
opressão como o trabalho escravo ou o baixo salário. Ao lutar contra, exerce um tipo de liberdade:
liberdade de, desta situação. É a luta por sua independência e autonomia. Ele
se auto-determina: assume a determinação, mas para superá-la e ser livre de
livre dela.
Mas existe ainda um outro sentido de liberdade como
auto-determinação: é aquela força interior e própria (auto) que lhe permite ser
livre para, para construir sua própria vida, para ajudar a transformar as
condições de trabalho e para criar outro tipo de sociedade onde seja menos
difícil ser livre de e para. Aqui se mostra a singularidade do ser humano,
construtor de si mesmo, para além das determinações que o cercam. A liberdade é
uma libert-ação, vale dizer, uma ação autônoma que cria a liberdade que estava
cativa ou ausente.
Estes dois tipos de liberdade ganham uma expressão pessoal,
social e global.
Em nível pessoal a liberdade é o dom mais precioso que temos
depois da vida: poder se expressar, ir e vir, construir sua visão das coisas,
organizar a vida como gosta, o trabalho e a família e eleger seus
representantes políticos. A opressão maior é ser privado desta liberdade.
Em nível social ela mostra bem as duas faces: liberdade como
independência e como autonomia. Os países da América Latina e do Caribe ficaram
independentes dos colonizadores. Mas isso não significou ainda autonomia e
libertação. Ficaram dependentes das elites nacionais que mantiveram as relações
de dominação. Com a resistência, protestação e organização dos oprimidos,
gestou-se um processo de libertação que, vitorioso, deu autonomia às classes
populares, uma liberdade para organizarem outro tipo de política que
beneficiasse os que sempre foram excluídos. Isso ocorreu na América Latina a
partir do fim das ditaduras militares que representavam os interesses das
elites nacionais articuladas com as internacionais.
Está em curso um processo
de libert-ação para, que não se concluiu ainda mas que fez avançar a democracia
nascida de baixo, republicana e de cunho popular.
Hoje precisamos também de uma dupla libertação: da
globalização econômico-financeira que explora mundialmente a natureza e os
países periféricos, dominada por um grupo de grandes corporações, mais fortes
que a maioria dos Estados. E uma libertação para uma governança global desta
globalização que enfrente os problemas globais como o aquecimento, a escassez
de água e a fome de milhões e milhões. Ou haverá uma governança colegiada
global ou há o risco de uma bifurcação na humanidade, entre os que comem e os
que não comem ou padecem grandes necessidades.
Por fim, hoje se
impõe urgentemente um tipo especial de liberadade de e de liberdade para.
Vivemos a era geológica do antropoceno. Isto significa: o grande risco para
todos não é um meteoro rasante, mas a
atividade irresponsável e ecoassassina por parte dos seres humanos (ántropos).
O sistema de produção imperante capitalista, está devastando a Terra e criou as
condições de destruir toda a nossa civilização. Ou mudamos ou vamos ao encontro
de um abismo. Precisamos de uma liberdade deste sistema ecocida e biocida que
tudo põe em risco para acumular e consumir mais e mais.
Precisamos também de uma liberdade para: para ensairmos
alternativas que garantam a produção do necessário e do decente pra nós e para
toda a comunidade de vida. Isso está sendo buscado e ensaiado pelo bien vivir
das culturas andinas, pela ecoagricultura, pela agricultura familiar orgânica,
pelo índice de felicidade da sociedade e outras formas que respeitam os ciclos
da vida. Queremos uma biocivilização.
Como cristãos precisamos também libertar a fé cristã de
visões fundamentalistas, de estruturas eclesiásticas autoritárias e machistas
para chegarmos a uma liberdade para as mulheres serem sacerdotes, para os
leigos poderem decidir junto com o clero os destinos de sua comunidade, para os
que tem outra opção sexual. Precisamos de uma Igreja que, junto com outros
caminhos espirituais, ajude a educar a humanidade para o respeito dos limites
da Terra e para a veneração da Mãe Terra que tudo nos dá.
Esperamos que o papa Francisco honre a herança de São
Francisco de Asssis que viveu uma grande liberdade das tradições e para novas
formas de relação para com a natureza e com os pobres.
A luta pela liberdade nunca termina, porque ela nunca é
dada, mas conquistada por um processo de libert-ação sem fim.
Fonte: Brasil de fato
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